Trail Out | Análise / Review

Velocidade, destruição e rivalidade…
Trail Out aposta numa fórmula consagrada, que curiosamente tem sido ignorada pelos grandes estúdios.


Uma das coisas que mais gosto é quando um jogo mistura uma pitada de realismo com uma mão cheia de absurdo e exagero.

Foi exatamente isso que aconteceu quando alguém teve a maravilhosa ideia de combinar corridas e destruição.

Sim, existem corridas com destruição no mundo real, mas não do jeito que elas são apresentadas no mundo dos videogames. Caso acontecessem no mundo real, as colisões que ocorrem no mundo dos videogames resultariam em fatalidades.

Isso reforça o fato de que, pegar conceitos do mundo real e apresentá-los de uma forma que só é possível no mundo virtual, é uma das maravilhas do mundo dos games.

Infelizmente, por diversos motivos que não cabe discutirmos agora, a consagrada fórmula de corridas e destruição foi deixada de lado.

Por um bom tempo o estúdio BugBear foi o único a continuar apostando nesta fórmula, com Flatout e mais recentemente com Wreckfest.

Exatamente por isso fiquei tão empolgado quando vi Trail Out, o mais novo jogo de corrida e destruição, trazido pelo estúdio Good Boys.


Trail Out: Um Caso de Amor à Primeira Vista

A primeira vez que vi Trail Out foi, numa das edições do festival “Steam Next”.

Na versão demo disponibilizada durante este festival, pude perceber que o jogo ainda estava cru, mas sem dúvidas havia algo especial ali.

A inspiração nos jogos da série Flatout era muito clara, mas ainda assim o jogo trazia algo único e jogabilidade própria, estava longe de ser somente uma cópia.

Foi impressionante acompanhar como mesmo durante este breve período em que a demonstração esteve disponível, os desenvolvedores aproveitaram para coletar opiniões e sugestões, implementando correções e melhorias com extrema agilidade.

Screenshot de Trail Out

Pouco tempo depois foi lançada a versão completa. Esta chegou precisando de polimento, com várias arestas a serem aparadas, porém era totalmente jogável e muito melhor que a versão demo.

Esta situação era totalmente compreensível, por ser um estúdio independente e também pelo fato de o jogo ter chegado a um preço extremamente justo.

Além disso, estava claro que os desenvolvedores estavam comprometidos em fazer o melhor jogo que pudessem.

Esta foi a razão de não ter trazido uma análise logo no lançamento, tive a certeza de que o jogo ia melhorar muito em pouco tempo.

Com velocidade e eficiência, os desenvolvedores foram ajustando e melhorando tudo.

Eles continuam trabalhando, certamente ainda irão melhorar o jogo e ao que tudo indica, expandi-lo.

Mas a essa altura já temos uma versão sólida, que possibilita fazer uma análise mais justa sobre este grande jogo.

A versão analisada foi a de PC, via Steam, que no momento desta análise é a única disponível.

Desde o lançamento não deixei de jogá-lo, e logo de cara já afirmo que valeu a pena apostar em Trail Out.


O Fator Velocidade

A primeira coisa que gosto de observar num jogo de corrida arcade é o quão sólida é sua jogabilidade.

Fácil de aprender, difícil dominar, essa regra é especialmente verdadeira quando estamos falando de games de corrida com pegada arcade, e Trail Out entrega uma jogabilidade sólida e cativante.

Os desenvolvedores tiveram sucesso em criar algo agradável e original, que ao mesmo tempo traz aquele toque de familiaridade.

Assim como em Flatout, nossa luta não será somente com os adversários, mas também com as elevações do terreno e até mesmo os detritos que estão na pista.

Isso faz com que qualquer momento de desatenção seja suficiente para causar problemas, induzindo o jogador a erros que poderão mudar os rumos de uma corrida.

Este é um detalhe muito eficiente dentro da proposta do jogo, que gera aquele fator de imprevisibilidade, uma vez que a inteligência artificial que guia os carros adversários está igualmente sujeita às mesmas situações.

Não é raro vencer uma corrida na última volta porque o adversário que estava em sua frente colidiu com outro e saiu da pista, assim como também não é raro perdermos por este mesmo motivo algumas corridas que pareciam ganhas.

Algumas pistas são inclusive pensadas para isso, com cuvas e cruzamentos planejados “na maldade” e favorecendo colisões, algo que também é característico num jogo desse tipo.

Outra coisa muito interessante e que comprova a competência do jogo, é que existe uma clara diferença ao guiarmos cada um dos veículos.

Guiar um carro grande é bem diferente de um compacto, assim como guiar o mesmo carro sem melhorias é bem diferente de guiá-lo com todas as melhorias instaladas.

O sistema de melhorias não foge do padrão visto em jogos de corrida, mas o interessante é como ele é apresentado.

Cada carro que compramos precisa ser montado: primeiro adquirimos somente a carcaça, para em seguida comprarmos individualmente as peças principais.

Enquanto ele não tiver as peças instaladas, não podemos utilizá-lo.

A customização visual dos veículos não é livre, mas cada carro possui uma quantidade satisfatória de pinturas predefinidas.

Em resumo, Trail Out possui uma jogabilidade simples o suficiente para que você consiga se divertir logo de início.

Ao mesmo tempo, o jogador precisará de um tempo para se acostumar e dominar os sistemas, caso deseje encarar os maiores desafios que o jogo tem a oferecer.

Tanto jogadores casuais quanto dedicados serão recompensados com ótima sensação de velocidade.


O Fator Destruição

O segundo ingrediente da fórmula é a destruição dos veículos, e Trail Out brilha muito neste quesito.

É importante enfatizar que nesse departamento, Trail Out também segue uma linha mais arcade.

Ou seja, visualmente o sistema de danos possui um nível de detalhamento impressionante, os carros são danificados ao extremo, dependendo da direção e velocidade do impacto.

Mas mecanicamente não haverão danos que dificultem o controle do veículo.

Nosso carro possui uma espécie de “barra de vida”, que resultará na destruição do mesmo quando chegar ao fim.

Isso não é nenhum demérito para o jogo e sim parte de sua proposta, algo que faz todo o sentido até mesmo pela forte inspiração em Flatout.

Também não é algo que torne a destruição menos divertida.

Aquela sensação satisfatória das colisões em alta velocidade (com peças voando por todos os lados) continua intacta por aqui.


Rivalidade em Alta

Se tem algo que faz com que me torne até mesmo repetitivo, mas não canso de falar, é do quanto gosto de ver personagens em jogos de corrida, ao invés de bonecos genéricos.

Não precisa nem ser algo tão aprofundado, muitas vezes um nome bem pensado já basta para criar rivalidades.

É uma enorme satisfação dizer que Trail Out faz isso muito bem e finalmente temos um novo jogo que valoriza esse aspecto!

Além disso, também é mais um ponto que o coloca na posição de uma espécie de sucessor espiritual da série Flatout.

Cada um dos personagens de Trail Out possuem sua própria aparência, personalidade e veículos que condizem com o estilo próprio de cada um.

Superando todas as expectativas neste sentido, o jogo traz ainda um modo história.

Controlamos um personagem chamado Mihalych, que por razões pessoais decidiu encarar um festival insano chamado Trail Out.

Ao melhor estilo Need for Speed Most Wanted, temos de ir superando cada um de nossos adversários num ranking, até chegarmos ao topo do festival Trail Out, com direito a batalhas de chefes e tudo o mais.

Temos na lista de participantes do evento uma mescla de indivíduos que são paródias de personagens conhecidos de outros jogos, com outros que são exclusivos.

É algo que corrobora com o tom de humor e exagero que permeia o jogo, tornando Trail Out ainda mais carismático.

Assim como em Flatout, veremos colisões fortes e ocasionalmente personagens sendo ejetados de seus carros (com aquela física de boneco de pano que tanto amamos), mas tudo feito de uma maneira animada e engraçada, com um tom leve.

Cada partida será diferente e poderá nos reservar cenas hilárias e memoráveis, graças a essa combinação entre o carisma dos personagens e a maneira como esse aspecto foi brilhantemente implementado.

A inteligência artificial é muito boa e colabora para o ritmo das partidas, sem precisar recorrer a artifícios baratos, como Rubber banding.

Mihalych de Trail Out
Conheça Mihalych: o protagonista de Trail Out.

Para ilustrar o quanto isso pode ser legal, narro a seguir uma situação que ocorreu comigo numa corrida da modalidade “Escape”.

A modalidade “Escape” é a tradicional corrida de eliminação, onde quem estiver por último é retirado da disputa assim que um determinado ciclo de tempo chega ao fim.

Com a diferença de que aqui o personagem eliminado recebe uma bomba na cabeça, atirada diretamente por um avião que fica rondando a região.

Na ocasião eu estava numa disputa acirrada, onde por um erro de pilotagem fui parar na última posição por alguns momentos.

Quanto o tempo de eliminação estava prestes a se esgotar, consegui ultrapassar um adversário e este foi explodido, num momento emocionante.

Continuei a corrida de recuperação e tive uma grande surpresa quando na próxima volta, ao passar pelo local onde este meu adversário foi explodido, vi que ele continuava vivo e acenando ao lado da pista, próximo a seu carro totalmente destruído.

Foi muito legal descobrir que os adversários podem sobreviver ao bombardeio da eliminação, e foi mais legal ainda quando descobri que era possível atropelá-los.

Num toque final de malvadeza, pude passar por cima do adversário e segui a corrida, tendo tempo de ainda vencer o evento.

Foi uma cena que me mostrou ainda melhor o potencial de Trail Out, e afastou qualquer tipo de dúvida que ainda pudesse ter sobre o jogo.

Como tudo acontece dentro desse tom de humor e exagero somente possível dentro do mundo dos games, mesmo cenas tão cruéis quanto esta acabam sendo engraçadas, tornando-se boas histórias a serem compartilhadas com os amigos.

Me fez lembrar da diversão clássica e do descomprometimento da época em que o principal objetivo de um jogo era ser divertido.


Gráficos, Sons e Músicas

Na apresentação visual é onde moram algumas das principais inconsistências de Trail Out.

Temos carros muito bem modelados, com sistema de danos impressionante, pistas bem elaboradas.

Um jogo bem detalhado, com direito até mesmo a câmera do interior do veículo, algo que nem mesmo alguns títulos consagrados de corrida (tossindo e olhando para Need For Speed) não conseguem oferecer.

Os modelos de personagens também são caprichados.

Porém é quando eles se movimentam e falam durante as cenas de corte que podemos notar uma divergência na qualidade.

Com movimentos robóticos e quase nenhuma sincronia labial, fica claro que não houve como o estúdio investir tão pesado nesse aspecto do jogo.

Mesmo assim as cenas são boas, a história é simples, porém divertida como deve ser, e durante o jogo nada disso interfere negativamente.

Nunca é demais lembrar que o jogo foi feito por um estúdio independente, algo que evidencia o quanto foram competentes e souberam focar naquilo que era realmente necessário.

Não tenho nenhuma dúvida de que com um grande orçamento esses caras fariam algo ainda mais memorável.

A performance melhorou muito desde o lançamento, e o jogo consegue sustentar os belos gráficos sem exigir mais do que deveria da máquina.

Existe ainda um efeito de câmera lenta, que ocorre em momentos específicos, como durante grandes explosões ou colisões mais fortes.

Inicialmente cheguei a pensar que era um problema de otimização do jogo, por não dar conta de processar acontecimentos de grandes proporções.

Mas é apenas um efeito visual dramático, que pode inclusive ser desligado no menu de opções.

No departamento sonoro, temos efeitos de ótima qualidade, nada desfavorável por aqui.

As vozes dos personagens são ótimas, combinando com seus respectivos modelos e reforçando suas personalidades.

E a trilha sonora fica por conta de algumas bandas pouco conhecidas por esses lados, mas que dão conta de criar um clima legal.

Temos aqui músicas mais variadas dentro do gênero rock n’ roll, não limitadas ao metal, que é mais característico desse tipo de jogo.

Mesmo com essa discrepância de qualidade entre gráficos e animações quando estamos fora das partidas, nada disso chega a verdadeiramente incomodar ou diminuir o mérito do jogo.

No geral, Trail Out tem na ótima apresentação visual e sonora alguns de seus pontos mais fortes.


Conteúdo e Fator Replay

Trail Out tem uma boa quantidade de pistas, distribuídas entre diferentes modalidades.

Temos corridas normais e suas variações, corridas contra o tempo e as clássicas arenas de destruição.

Existem ainda os minigames de boliche e tiro ao alvo, estes sim praticamente transplantados da série Flatout: temos de pegar velocidade para que ao chegar num determinado ponto, apertemos o botão de ejetar nosso personagem, que irá acertar o alvo ou derrubar os pinos, dependendo de qual for o minigame.

Além do modo história, temos o modo corrida livre, onde escolhemos pistas e modalidades que já tenham sido previamente desbloqueadas no próprio modo história.

Tudo ocorre em torno do festival Trail Out, e nosso progresso fica atrelado ao número de fãs que vamos conquistando no festival, além do montante de dinheiro ganho nos eventos.

Conforme ganhamos fãs, vamos desbloqueando (para compra) outros carros e peças de categorias mais altas.

Algumas corridas demandam carros de categorias melhores, então deveremos gastar o dinheiro com sabedoria, ou simplesmente repetir corridas para “grindar” dinheiro.

É um sistema simples, porém muito bem definido e apresentado.

Outro ponto que merece destaque é a quantidade e variedade de veículos.

Temos carros compactos, caminhonetes, vans e até mesmo um caminhão.

As referências, segredos, códigos e easter eggs escondidos pelo jogo dão aquela cobertura e sabor extra.

No momento não há como controlar outros personagens, mas existem novos conjuntos que mudam a aparência dele, que também podem ser comprados com dinheiro do jogo.

O multiplayer está disponível apenas localmente, com tela dividida.

A duração do modo história é excelente, levando em torno de 12 horas para ser finalizado.

Caso você realmente goste do jogo e suas mecânicas, essa duração poderá se estender por incontáveis horas.

Como dito anteriormente, as corridas costumam apresentar situações diferentes, então o jogo passa longe de ser enjoativo.


Conclusão

Não é nenhum exagero dizer que à sua própria maneira, Trail Out é tão divertido quanto os clássicos jogos da série Flatout.

Com o tanto de diversão que tive, somando ao fator replay, o colocaria tranquilamente na mesma prateleira dos maiores clássicos do gênero.

Continuo curtindo o jogo mesmo após ter feito 100%, rejogando eventos e correndo nos modos livres, assim como costumo fazer somente com os jogos que mais gosto.

Desde que o estúdio BugBear deixou Flatout de lado para produzir o também excelente Wreckfest, ficamos órfãos de um jogo desse tipo, com humor e personagens carismáticos.

Isso coloca Trail Out numa posição privilegiada.

Tudo é muito bem amarrado dentro do que o jogo se propõe a ser, e para não dizer que não senti falta de nada, gostaria apenas de ter um modo replay.

O multiplayer online particularmente não me fez nenhuma falta, esse tipo de jogo cai muito bem para o single player.

Dada a empolgação dos desenvolvedores, não duvido que futuramente adicionem funcionalidades como estas, ainda que não sejam de implementação tão simples.

Gosto muito de considerar o preço como um fator fundamental na ponderação da nota, e quando olhamos o preço cheio de Trail Out, ele se torna uma recomendação ainda mais fácil.

Com recursos limitados estes desenvolvedores entregaram um jogo extremamente divertido, por um preço extremamente justo. Algo que nem mesmo estúdios bilionários têm conseguido.

Este jogo superou em muito as minhas expectativas e se tornou uma das maiores surpresas do ano.

Lembrar que Trail Out é um título de estreia o torna ainda mais impressionante.

Torço muito para estejamos diante do surgimento de uma nova série.


NOTA FINAL

92/100


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