Phantasmagoria – O Jogo Que Aterrorizou Uma Geração

Um relato sobre o dia em que vi Phantasmagoria de perto pela primeira vez.


Alguns jogos estão marcados para sempre na história dos videogames.

Seja por terem alguma qualidade ou característica exclusiva, por trazer alguma mecânica diferenciada, ou mesmo por ter surgido num momento oportuno.

Diversos podem ser os motivos.

Phantasmagoria, da saudosa Sierra Entertainment, é um destes.

Beneficiando-se da então moderna tecnologia dos CDs, é um dos mais lembrados quando o assunto são jogos em FMV (Full Motion Video).

Apesar de ser todo gravado com atores reais, foi desenvolvido com uma técnica muito interessante.

Todas as cenas foram gravadas com um fundo chroma key azul, e as imagens estáticas dos cenários foram colocadas posteriormente.

A técnica de chroma key já era comum nos filmes, mas não nos videogames.

Um dos principais motivos para este esforço era reduzir o tamanho dos arquivos do jogo.

E mesmo assim a versão final tinha nada menos que 7 discos!

Phantasmagoria era quase uma lenda da época, muito se ouvia falar sobre seus feitos tecnológicos, mas era lembrado principalmente pelo terror de suas cenas macabras.

Algo que impressionava tanto quanto os filmes mais fortes da época.

Ter uma oportunidade de jogá-lo era apenas o primeiro passo.

Porque o maior desafio era ter coragem para isso.


A Lenda De Phantasmagoria

Lá estava eu, apenas um garoto feliz com seu Mega Drive.

A onda dos CDs havia apenas começado, e não estava nem perto de ter um console desses em casa.

Também nem sabia o que era jogar num computador!

Nos corredores da escola já rolavam conversas sobre um tal de Phantasmagoria, e foi a primeira vez que me lembro de ter ouvido sobre a combinação entre um computador e jogos.

Todo mundo ficava curioso, porque sempre que este assunto surgia, havia um tom de coisa proibida.

Um jogo onde simplesmente controlávamos um filme, com atores reais!

Repleto de cenas fortes, com muitos detalhes.

Claro que isso também era uma oportunidade para os mentirosos de plantão, que aproveitavam para inventar todo tipo de coisa.

Desde os que diziam ser um jogo trazido por uma seita do mal, para difundir magias ou qualquer coisa do tipo.

Até os mais trágicos, que chegavam dizendo que algum ator perdeu a vida de verdade durante a produção do jogo.

Acredite, naquela época a imaginação do pessoal era fértil até demais.

Eu ainda era muito novo, e apesar de ter ficado curioso não dava tanta bola para o jogo em si, porque meu desejo do momento era conhecer o SEGA Saturn!

Certo dia surgiu a notícia que uma nova locadora aqui no bairro estava alugando consoles por hora, e dentre os aparelhos haviam nada menos que DOIS Saturns!

Aqui vou abrir um parêntese, para reforçar minha lealdade à locadora do Bigode, mesmo tendo ido jogar numa concorrente.

O Bigode era um cara clássico, numa época em que alugar consoles para jogar por hora estava começando a bombar, ele se mantinha mais fiel aos fliperamas.

Então tecnicamente talvez não tenha sido uma traição, já que não era algo que ele oferecia.

Além disso, eu não conseguiria dormir tranquilo sabendo que havia um SEGA Saturn perto de casa.

Bom, pensando bem talvez tenha sido sim traição em algum nível, desculpa Bigode!

O fato é que eu e meu amigo decidimos que no próximo final de semana visitaríamos essa locadora, para jogar o belíssimo jogo realista, mais real que a vida real: Ultimate Mortal Kombat 3.

No SEGA Saturn!


A Locadora Dos Sem Bigode

Quando chegamos lá, achei o lugar bem interessante e diferente.

A locadora funcionava na garagem de uma casa.

E os donos tinham muito bom gosto!

Logo de cara era possível ver diversos jogos de SEGA Saturn.

Curioso que dos consoles 16 bits eles tinham poucos cartuchos.

Mais ao fundo estavam os consoles, e dentre eles DOIS Saturns, confirmando todos os boatos.

Ao entrar na locadora ainda havia mais uma surpresa.

Porque bem escondida, logo à direita da porta de entrada, estava uma máquina original do clássico Marvel Super Heroes.

E eventualmente ela tinha cartões para dar a quem terminasse o jogo!

Simplesmente a única máquina original de Marvel Super Heroes que vi em toda a minha vida.

Infelizmente depois vim a saber que essa máquina não deu cartões por muito tempo, ao que tudo indica eles não eram fáceis de repor.

Definitivamente os donos dessa locadora tinham muito bom gosto, apesar de ainda não terem nenhum bigode.

No balcão estavam dois rapazes, que deviam ter algo em torno de 20 anos.

Algo que era incomum, normalmente quem investia em locadoras era um pessoal era um pessoal de 30 ou 40 anos.

Pelo menos aqui na região era assim.

Outro ponto curioso é que a mais ou menos 100 metros dali funcionava outra locadora, focada em filmes, que estava a muito mais tempo no ramo.

E ainda haviam outras locadoras no bairro.

Para que você tenha uma ideia do quão interessante era este modelo de negócios naquela época.

Conforme planejado, fomos jogar SEGA Saturn naquele final de semana.

Conseguimos colocar uma hora, juntando nosso dinheiro.

Foi uma experiência marcante, Ultimate Mortal Kombat 3 era lindo!

Os gráficos eram ainda mais impressionantes que os do Mega Drive.

E a trilha sonora era tão boa quanto já conhecia, porém tinha uma qualidade muito melhor, com aquele som limpo que só os CDs podiam oferecer.

Eu e meu amigo jogávamos Ultimate Mortal Kombat 3 em casa, nós dois tínhamos Mega Drive.

Então pudemos comprovar de perto o salto de qualidade!

Até hoje é difícil descrever a magia daquele momento.

Claro que houve também um fator emocional, já que era a primeira vez que ficávamos diante daquela nova tecnologia.

Nem preciso dizer que aquela hora de jogo voou!

Saímos dali embasbacados com o que havíamos acabado de presenciar.

Depois deste dia viramos clientes, ainda que não fosse tão comum conseguirmos juntar dinheiro para jogar o cobiçado SEGA Saturn.

Continuei alugando meus jogos na locadora do Bigode, mas quando era para jogar por hora, passei a ir nesta nova locadora.


Eis que Surge Phantasmagoria

É interessante como às vezes as coisas acontecem para tornar os momentos ainda mais marcantes.

Me lembro de meu irmão chegando empolgado, contando que um amigo de escola tinha comprado Phantasmagoria.

Confirmando que controlávamos atores reais, que haviam cenas fortes como em filmes de terror e essas coisas todas.

Engraçado que naquela ocasião sequer conseguia imaginar muito bem como funcionava, ou como seria possível “controlar um ator real”.

Aquilo ficou registrado em minha mente.

No final de semana seguinte lá estávamos eu e meu amigo indo em direção à nova locadora, para mais uma hora de SEGA Saturn.

Ao chegarmos lá nos deparamos com uma cena diferente.

Havia um computador numa das mesas, e um amontoado de pessoas em torno dele.

Na “cadeira do comandante” estava um dos donos da locadora, e ao lado do computador estava uma caixa de tamanho incomum.

Parecia mais um estojo, com vários CDs, e como estava meio virada de lado fiz um esforço para ler, virando a cabeça.

Pan… não, espera aí, é Faaan-taaas-maa-gória…

Minha nossa, era o tal Phantasmagoria, de que todo mundo estava falando!

Consegui um espaço na roda de moleques e adolescentes, de onde vi uma mulher loira com blusa laranja indo de um lado para o outro, de acordo com os comandos.

Captura de tela de Phantasmagoria

O dono da locadora parecia tão empolgado quanto todo mundo daquela roda de curiosos, mas talvez não tenha gostado da plateia e logo encerrou o jogo.

Claro que todo mundo ali continuou comentando sobre o que foi visto, porque aquilo definitivamente parecia o futuro.

E agora também tínhamos algo para contar às pessoas.


A Lenda De Phantasmagoria

Nessa época era assim que as coisas funcionavam.

As informações eram escassas, normalmente vinham de revistas especializadas ou de relatos de amigos.

Era muito raro ter a sorte de ver algo em primeira mão.

Depois deste acontecimento na locadora, ainda levei alguns anos para conseguir ver Phantasmagoria novamente, bem como algumas de suas cenas mais fortes.

Ele permaneceu com aquela aura de jogo proibido, despertando a curiosidade até mesmo de pessoas que não jogavam, algo que era muito raro de acontecer.

Hoje é comum ver pessoas criticando o jogo, dizendo que está ultrapassado e coisas do tipo.

Mas quem presenciou sua chegada, sabe o que ele significou na época.

Tudo nele era impressionante, até mesmo outros detalhes menos lembrados hoje em dia, como seu nível de interatividade.

Era um jogo FMV onde realmente havia algum tipo de controle sobre o protagonista em si.

Ainda que boa parte do jogo também envolvesse assistir cutscenes, não eram somente cenas interativas, nem quick time events, mas sim um verdadeiro jogo point and click.

Algo que não me lembro de ter visto antes, ao menos em jogos FMV.

Possivelmente muitas das pessoas que criticam o jogo nem tenham realmente jogado.

Porque ao menos para mim, ele continua sendo um dos jogos de terror mais fortes e explícitos de todos os tempos.

Aqueles cenários estáticos continuam tão macabros quanto antes.

A estranheza gráfica só colaborou para tornar o jogo mais tenebroso, como se fosse uma realidade distorcida, ou como se pudéssemos enxergar tudo através dos olhos de quem conta esse tipo de história.

Os efeitos em 3D estão sim um tanto desfasados, mas nem isso tornou as cenas fortes menos impressionantes.

Como por exemplo aqueles momentos em que a protagonista perde a vida, ou mesmo as partes da história que mostram um certo personagem fazendo vítimas.

São extremamente desconfortáveis, mais fortes que muitos jogos de terror atuais.

Trazem aquela combinação do terror clássico, onde algumas cenas causavam nojo e repulsa, enquanto outras mostravam o pior acontecendo com riqueza de detalhes.

E ainda haviam outras, em que tudo isso acontecia de uma só vez.

Será que isso é minha memória afetiva falando mais alto?

Ou aquilo de ter visto algo impressionante quando criança, fazendo tudo parecer maior do que realmente é?

Tenho certeza que não é o caso, e deixo aqui o desafio: se acha que estou exagerando, tente você mesmo jogar Phantasmagoria.

Talvez você encontre aqui até mesmo ingredientes para contar sua própria história de terror.

Hoje em dia é muito mais fácil e barato encontrar uma cópia deste clássico.

Eu mesmo mais assisti do que joguei, e pretendo reparar esta falha num futuro próximo.

Quem sabe a experiência renda um novo post.


E Você, Jogou Phantasmagoria?

Se você ao menos viu esta pérola na época, sabe que não estou exagerando.

Como é para você jogar este jogo hoje em dia?

Engraçado que em minha memória estes eventos são muito próximos aos de quando vi Resident Evil, de forma que parece que conheci Resident Evil 1 antes de Phantasmagoria.

Mas foi exatamente o contrário, e levou um tempo considerável até que eu finalmente conhecesse Resident Evil.

Esse é aquele tipo de post que escrevi para compartilhar minhas memórias, e ao mesmo tempo para registrá-las, na tentativa de evitar que se apaguem.

Espero que tenha gostado!

Um abraço e até a próxima!

OBS: Este post foi escrito enquanto ouvia a trilha sonora de Ultimate Mortal Kombat 3, disponível no Spotify.

2 comentários em “Phantasmagoria – O Jogo Que Aterrorizou Uma Geração”

  1. Esse foi um daqueles jogos que eu só fui conhecer décadas depois do lançamento, então não posso opinar sobre o lançamento delo. O que eu lembro é que, sempre que se falava de Phantasmagoria, se citava mais a polêmica do que o jogo em si. Em particular uma cena forte envolvendo um abuso sexual, e o quão o jogo era gráfico para os padrões de terror, por ser “feito com atores reais”. Tal como acontecia com o Mortal Kombat, que também era comentado mais pelo impacto, do que pelo mérito de jogabilidade em si.

    Só fui jogar Phantasmagoria já adulto, mas mesmo assim, ele tem um ar bem desagradável mesmo. Sendo uma produção bem diferente, me lembra muito aquele “Ghosts of Mars”, do John Carpenter, no sentido de que ambas as obras passam uma sensação ruim e nem sempre é mérito da obra mesmo. Fica uma “bad vibe”, sabe? Não é um desses jogos que eu tenha vontade de revisitar, ao contrário de outros jogos de terror muito mais fortes na minha opinião, como os da saga Silent Hill.

    1. É bem por aí mesmo.

      Este é um daqueles jogos cercados de histórias.

      O tempo passou e ele continua tendo um estilo único.

      Aposto que até hoje se tivesse como colocar esse jogo num local público, as pessoas viriam olhar com curiosidade.

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