Compartilho hoje a versão completa de um evento que se passou em minha época de escola.
O dia em que um valentão recebeu o troco, com juros.
Recentemente me lembrei deste ocorrido e contei resumidamente ao pessoal que me segue nas redes sociais.
Fiquei devendo a versão completa, e como lá no X (antigo Twitter) é difícil contar uma história com poucos caracteres, decidi escrever por aqui.
Uma Figura Familiar
Tudo começou em minha escola, onde havia um moleque naquele estilo folgado, sem educação e valentão.
Um detalhe curioso me fez lembrar dessa história: ele era fisicamente idêntico ao personagem Paco Loco, do jogo Sunset Riders.
Ele estava no último ano, era pelo menos uns 4 anos mais velho que eu e minha turma.
Entre nós até o chamávamos de Paco.
Somente entre nós, porque ninguém provavelmente entenderia a referência.
Caso entendessem, haveria o risco de tudo cair no ouvido do valentão, e o resultado não seria muito bom.
Apesar de ser um tipo grosseiro, ele não era tão covarde quanto os valentões comuns.
Somente batia no pessoal com idade e porte parecidos com o dele.
Nos demais dava no máximo um empurrão ou um chute na bunda.
Como sempre dava um jeito de fazer isso de maneira humilhante, tornou-se temido a ponto de ninguém ter coragem de desafiá-lo.
Era um cara isolado e carrancudo, raramente conversava ou fazia alguma amizade.
Algumas coisas estavam prestes a mudar, porque certo dia o Paco arrumou confusão com pessoas mais nervosas que ele.
E estes sujeitos apareceram para tirar satisfação na saída da escola.
Quem estudou em escola pública sabe que quando isso acontecia, formava-se um cenário parecido com aquele dos duelos de pistoleiros nos filmes de velho oeste.
O que é meio irônico, porque tudo parecia manter o tema de Sunset Riders.
Tudo começava com um agitador que ficou sabendo da briga, e então a missão da vida dele se tornava espalhar aquilo para a escola inteira.
E com isso gerava pressão, aumentando as chances de que a briga de fato acontecesse.
Ou que um dos envolvidos ganhasse a fama de medroso, por fugir dela.
Te Pego Na Saída
Foi exatamente isso que aconteceu.
O Paco naturalmente não era o cara mais querido da escola, e o boato correu mais rápido que um rastilho pólvora.
Desta forma, quando tocou o sinal, havia uma verdadeira arena na saída da escola.
Era o combate do século.
Será que o Paco ficaria com medo e acabaria arregando?
Ou será que quebraria a cara de todo mundo, tornando-se ainda mais temido e invencível?
Descobriríamos isso em breve.
Pessoalmente não gostava desse tipo de coisa, sempre achei que luta é algo que tem de ficar somente nas modalidades esportivas, artes marciais e videogames.
Então não estava lá para presenciar o cenário se formando, e nem estava empolgado como a maioria das pessoas.
Porém a descrição que meus amigos me deram posteriormente foi a seguinte:
A porta de saída era grande, como um portão de garagem, daqueles com duas partes.
E ali, de frente para o portão de saída, estavam quatro indivíduos mal encarados.
Entre o portão e os indivíduos havia um tipo de arquibancada com gente curiosa, de ambos os lados, formando um corredor.
Ou seja, se o Paco decidisse fugir, o único caminho seria voltar para dentro da escola.
É engraçado como quem menos quer ver a briga acaba presenciando tudo de camarote.
Eu e dois amigos andávamos em direção ao portão de saída, ainda sem saber do cenário que havia se formado.
De repente o Paco surgiu no mesmo caminho, vindo detrás.
Ultrapassou todos nós com o passo apertado, visivelmente nervoso e sem enxergar nada ao redor, como um míssil teleguiado que já marcou seu alvo.
O caminho até a saída estava “estranhamente” livre.
Mas entendemos tudo quando nos deparamos com aquela arena descrita anteriormente.
Quando chegamos o Paco estava dialogando com um dos quatro sujeitos.
Foi a primeira vez que o vi transparecer alguma emoção.
No rosto ele tinha uma expressão de preocupação, quase indo para o cagaço.
A coisa não era bagunçada, havia uma espécie de código de honra.
E depois do debate, ficou definido que o Paco e um dos quatro moleques resolveriam aquilo no mano a mano.
Curiosamente, o sujeito que comprou a briga era o único dos quatro que não tinha cara de capanga do Coringa.
Eles estavam quase na “mesma categoria”, ainda que este moleque fosse um pouco mais baixo e leve que o Paco.
Então pelo menos seria uma luta justa.
Até então meu pensamento era: “Esse Paco é brabo mesmo, enrolou a molecada na conversa e ainda vai sentar a mão no carinha mais fraco dos quatro”.
Mas a vida é uma caixinha de surpresas, e logo que a luta começou todos descobrimos (principalmente o Paco) que o moleque era nada menos que um Bruce Lee mirim.
Round One, Fight!
A luta começou com pouco tempo de estudo entre os adversários, e quase nenhum respeito.
Com menos de um minuto o Paco levou um direto e quase beijou o chão.
Ele se desequilibrou, e ficou agachado, sentindo o golpe.
Todo mundo ficou incrédulo!
Até aí o Paco estava mantendo a pose, absorveu a dor, estava levantando.
Ia começar a bater a terra da roupa, achando que o moleque daria espaço para ele respirar.
Mas só deu tempo de o Paco perceber e tentar subir a guarda.
O sujeito acertou um chute que levou a guarda e a cabeça juntos.
E lá estava o Paco caído de bunda no chão.
Desorientado, com a expressão de pavor de quem nunca havia apanhado numa briga.
Engraçado que esse é o tipo de cena que parece acontecer em câmera lenta, como a queda dos gigantes em Shadow Of Colossus.
Agora o desespero era real, ele não conseguia mais manter a pose.
Então pensamos que a briga estava resolvida, que ele aceitaria a derrota.
E novamente nos enganamos, porque nem deu tempo de o Paco se render.
O moleque partiu pra cima dele com uma joelhada, deitou ele de vez no chão e começou a sentar a mão na cara, e em onde mais pegasse.
Naquele momento achei que ele fosse perder a vida, e ninguém poderia fazer nada para impedir.
Os três amigos do sujeito apenas olhavam com frieza, e às vezes escapava um riso no canto da boca.
Foram pelo menos uns cinco socos, e a essa altura estava torcendo para o cara parar, ou um adulto aparecer.
Era tipo uma luta de MMA, só que sem o juiz para separar.
Felizmente o sujeito se deu por satisfeito e parou sozinho.
Levantou-se, disparou alguns xingamentos e deu um último chute no Paco ainda caído.
Ele ficou lá todo sujo, ensanguentado e fungando, tentando retomar o fôlego.
A Queda De Um Vilão
Claro que somente depois de tudo isso chegou um adulto.
O inspetor apenas dispersou a multidão e levou o Paco de volta para dentro da escola.
Naquele dia muita gente achou que foi bem feito, que ele merecia apanhar.
Talvez ele precisasse mesmo aprender uma lição.
Entretanto, diante de tamanho castigo, não consegui sentir outra coisa além de pena.
O moleque era mala, porém a surra e a humilhação passaram do ponto.
Ele maltratava as pessoas, mas nunca tinha feito nada sequer parecido com isso.
O lado bom foi que certamente ele passou a pensar duas vezes antes de folgar com alguém.
Brincou com a sorte e procurou, até encontrar.
Mas sei lá, quando vi o cara ali caído, sujo e humilhado, foi meio melancólico.
Naquele momento percebi que tudo o que ele tinha era essa imagem de malvadão, talvez fosse um tipo de escudo, para não expor quem ele realmente era.
E de repente nem isso ele tinha mais!
Talvez o jeito dele fosse reflexo de alguma dificuldade que passava em casa.
Não que isso justifique maltratar outras pessoas, mas sempre tive a impressão de que no fundo ele não queria ter se tornado um cara mal.
Este talvez tivesse sido o jeito que ele encontrou para criar um espaço onde se sentisse isolado e seguro.
Ninguém soube qual foi o verdadeiro motivo da briga.
Claro que os fofoqueiros e mentirosos inventavam todo tipo de história.
Contudo, o mais provável é que tenha sido algum motivo bobo, tipo um choque de ombros num corredor apertado.
De qualquer forma eu não sou psicólogo para fazer uma análise de quem era o Paco, e quais eram suas reais intenções.
Talvez ele simplesmente fosse um cara mal mesmo.
E naquele dia todos aprendemos uma lição, principalmente ele.
Porque a partir daquele evento, o Paco virou um “aluno comum”.
Ninguém mais o temia, ele não mexia com mais ninguém.
Permaneceu calmo, murcho, até terminar a escola e ir embora para nunca mais o vermos.
Espero que ele esteja bem, e que tenha se tornado um adulto legal.
O mais interessante é que o cara que sentou o braço no Paco também sumiu.
Apesar de não estudar lá naquela escola, não apareceu nem para “herdar” o status de malvadão e tirar onda.
Ele devia simplesmente ter ficado muito bravo com o Paco, e claramente seu único interesse era enfiar a mão na cara dele.
Não Tente Isso Em Casa
Como disse anteriormente, sou totalmente contra a violência.
E este acontecimento não mudou minha opinião sobre valentões, mas com certeza me fez olhar com outros olhos para essas pessoas.
Passei a enxergar a parte triste disso tudo, ainda mais hoje como adulto.
É uma história que retrata também como eram as coisas nas escolas daquela época.
Um lugar onde muitas vezes o filho chorava e a mãe não via.
Um lugar regido pela lei de sobrevivência.
Dito isso, se um dia fosse criar um cenário para algum jogo de luta, me inspiraria numa briga de saída de escola.
E por hoje é só, espero que este relato tenha te entretido, e principalmente trazido algum tipo de reflexão útil.
Caso tenha gostado dessa história, saiba que tenho outras desta mesma época aqui na mesma seção.
Abraços e até a próxima!
A paixão por videogames surgiu à primeira vista, em algum lugar entre as gerações 8 e 16 bits
Falar sobre games sempre foi uma parte da diversão, eu e meus amigos passávamos muito tempo jogando e conversando sobre nossos jogos, na antiga locadora do Bigode, em casa e na escola.
Mesmo num mundo cada vez mais digital, encontrar pessoas apaixonadas por videogames e falar sobre nossos jogos continua sendo importante.
Decidi então fundar a iniciativa Bigode Games, um lugar onde falamos sobre o melhor que os videogames podem nos proporcionar.
Barry, você sentir pena pelo Paco diz muito sobre você. As pessoas parece que gostam de ver alguém sofrendo. Existe uma diferença entre um valentão levando dois tapas bem dados, e alguém sendo chutado já no chão, indefeso. Quase todos os valentões que eu conheci na época tinham sérios problemas pessoais em casa, então talvez quando criança eu até animasse uma briga dessas, mas hoje em dia, vejo como é mais complexo tudo. A pior parte é saber que hoje em dia, com os celulares e as redes sociais, as brigas são gravadas e espalhadas e existe quase um fetiche em compartilhar e assistir isso. Por sorte, essa surra do Paco será esquecida como lágrimas na chuva algum dia. Se bobear, só quem lembra dela hoje dia é você, e o Paco.
Bom texto, com ótimas referências e linguajá de velho-oeste, haha. Joguei pouco Sunset Riders, mas gostava de usar o Cormano. Até hoje eu sou apreciador de ponchos!
Obrigado, Greg!
Foi um momento complicado mesmo.
E se fosse hoje em dia, com certeza essa briga teria viralizado na internet.
Depois de escrever esse texto ainda fiquei refletindo, pensando nisso.