Aproveitando o clima de terror, temos hoje uma história de medo e companheirismo, contando um episódio onde a loira do banheiro ajudou nossa turma a fazer justiça.
Surge a Lenda da Loira do Banheiro
Se você viveu na década de 1990 sabe muito bem que as coisas funcionavam de uma maneira bem diferente.
Mesmo quem não viveu, muito provavelmente já ouviu falar sobre. Temos até canais no Youtube dedicados a relembrar acontecimentos desta época.
Dentre os inúmeros acontecimentos deste período, a época em que a história da loira do banheiro tomou conta das escolas foi um dos meus favoritos.
Depois de um bom tempo vim a saber que era uma lenda antiga, mas por algum motivo aqui na região (e possivelmente no Brasil todo), a história tomou conta das escolas nesta década de 90.
A lenda conta a trágica história de uma garota, tendo desfecho em uma grande casa que posteriormente virou uma escola, o que explica porque só era possível reproduzir o ritual em um banheiro escolar.
Caso você não conheça a lenda, este artigo da Wikipédia explica muito bem o ocorrido, mais especificamente no trecho que descreve a “versão Brasileira”.
Mas nós nem sabíamos disso quando esta febre começou.
Não havia nada parecido com o Google naquela época, algo que favorecia ainda mais a criação de histórias e boatos.
Engraçado como na época nós nem tínhamos interesse em perguntar maiores detalhes sobre a história em si, a notícia vinha ao melhor estilo telefone sem fio, onde vai sendo fragmentada e parcialmente alterada conforme se espalha.
Inclusive por isso o ritual variava muito de escola para escola.
E o que chegou até nós foi que havia sido descoberto um ritual que invocava um fantasma, como se alguém tivesse simplesmente descoberto um código secreto e desbloqueado um personagem num jogo.
Aqui na escola onde estudei o ritual era assim: alguém precisaria falar em voz alta as palavras “Loira do Banheiro”, chutar a privada, dar três descargas, três chutes na porta e falar três palavrões.
Feito isto, surgiria em algum lugar do banheiro uma mulher loira, vestida de branco, com algodões nas narinas e olhar fantasmagórico.
O banheiro da escola tinha divisórias, e o ritual não especificava se a porta onde deveríamos bater era a da divisória onde estava a privada utilizada no ritual ou a porta de saída do banheiro.
Atentos a esta brecha e pensando na segurança, logicamente todo mundo fazia o ritual e se dirigia até a porta de saída para dar os três chutes, falar palavrões e correr como se não houvesse amanhã.
Entre relatos de pessoas que juravam de pés juntos já terem visto a loira de perto e outras fazendo testes de coragem, iniciou-se então uma era de descargas e portas quebradas.
Nasce Uma Rixa
Minha turma tinha pessoas de salas diferentes, mas todos estávamos atônitos com a “descoberta” da loira do banheiro.
Éramos um bando de moleques com idades entre 8 e 12 anos, os mesmos que viviam emprestando jogos e frequentando a Bigode Games.
Porém desta vez o assunto era outro, o pessoal estava combinando de fazermos juntos o ritual, para que todos testemunhássemos a aparição da loira do banheiro.
Esclareço que nunca fui a favor da ideia, por mim a loira poderia ficar em paz onde quer que ela estivesse.
Porém fui voto vencido, praticamente todos os outros estavam determinados. E durante estes acontecimentos, tivemos dois protagonistas.
Um deles chamaremos de Gabriel, um garoto franzino, porém extremamente “corajoso” que ficava tirando sarro das pessoas que tinham medo.
O episódio da loira do banheiro foi um prato cheio para que começasse a tirar sarro gratuitamente de todo mundo, chamando a todos de medrosos e covardes.
Apesar disso, era um cara legal e um exímio jogador de Super Mario World, sendo um dos poucos da turma que possuía um Super Nintendo e um Mega Drive.
Do outro lado tínhamos aquele que chamaremos de Vitor, um garoto grande e rechonchudo para os padrões de nossa idade, mas ao mesmo tempo extremamente medroso. Ele realmente tinha medo de tudo, desde insetos até fantasmas.
Mas era extremamente querido pela turma, um cara dócil, o verdadeiro estereótipo do gigante gentil.
Sem contar que Vitor era um excelente jogador de Super Monaco GP, tendo corrido por equipes como Madonna e Firenze, um feito respeitável principalmente entre os moleques de nossa idade.
Como era de se imaginar, Vitor tornou-se o alvo principal de Gabriel, que na época da loira do banheiro chegou a incomodá-lo de um jeito que passava de todos os limites.
Virou realmente uma perseguição chata e por diversas vezes foi necessária a intervenção de nossa turma para que não fizesse Vitor chorar, algo que na época lhe renderia pelo menos uns dez apelidos de mal gosto.
O Dia Em Que Invocamos a Loira do Banheiro
Estava tudo certo, não passaria daquela semana, a nossa turma finalmente invocaria a loira do banheiro.
Fazer o ritual e ficar esperando dentro do banheiro era um ato que nem mesmo os marmanjos do colegial tiveram coragem de fazer.
Duas pessoas fariam a invocação enquanto os outros ficariam ali por perto escutando os sons e conferindo a aparição, ninguém poderia correr.
Durante o recrutamento dos dois executores do ritual, Gabriel desafiou Vitor.
Disse que se Vitor topasse fazer o ritual junto com ele, nunca mais o zoaria novamente, teria provado sua coragem de uma vez por todas.
Após pensar por um tempo Vitor topou o desafio, com todos nós perguntando se ele tinha certeza disso, como se tivesse acabado de ser escalado para uma missão de alta periculosidade da qual poderia não mais voltar.
E foi assim que no horário de intervalo de uma terça-feira, todos nos posicionamos do lado de fora do banheiro.
Recapitulamos os passos do ritual até que Vitor e Gabriel entraram no banheiro para dar início ao plano.
De nossa turma, sobraram uns outros cinco moleques que toparam ficar ali fora para conferir o resultado.
Eu estava entre estes, mesmo sem saber exatamente quais seriam os riscos. Já que meu voto de deixar isso para lá havia sido vencido, agora eu queria presenciar e acompanhar a conclusão de tudo.
Ouvimos então a voz de Gabriel chamando a loira do banheiro, não conseguimos escutar o chute na privada, ouvimos as três descargas, três chutes na porta e de repente passos rápidos em direção à porta.
Gabriel saiu do banheiro e fechou a porta, segurando-a fechada pelo lado de fora e impedindo a saída de Vitor enquanto falava os três palavrões.
O ritual estava feito, a loira do banheiro havia sido invocada e Vitor, o gigante medroso estava lá sozinho encarando ela, enquanto batia desesperadamente na porta tentando sair.
Curioso como nem mesmo sendo muito maior, Vitor não teve forças para abrir a porta.
Levamos um tempo para assimilar o que estava acontecendo, surpresos e ainda sem acreditar que Gabriel havia feito aquilo com um dos nossos.
Tudo aconteceu realmente muito rápido, pegando a todos desprevenidos.
Fomos então todos em direção ao banheiro, empurrando Gabriel para longe. Vitor havia parado de bater na porta e de falar.
Abrir a porta para resgatá-lo foi um teste de coragem ainda maior nestas circunstâncias e quando entramos no banheiro encontramos Vitor dentro de uma das divisórias, espremido ao lado da privada e chorando muito.
Não havia nenhum sinal da loira do banheiro e aos poucos todos nos acalmamos, conseguindo levar Vitor para fora.
Em uma demonstração de crueldade, Gabriel estava fora do banheiro rindo muito com a cena, chamando ele de covarde, dizendo que sabia que isso aconteceria.
Ao voltarmos para a aula é claro que não contamos a ninguém sobre o ocorrido e que Vitor chorou deste jeito, mas Gabriel tomou conta de espalhar tudo com riqueza de detalhes, tirando sarro de Vitor até o fim do dia.
Ele havia ultrapassado todos os limites, havia maltratado um dos nossos, com direito a requintes de crueldade.
Gabriel Precisa de Uma Lição
O veredito foi unânime, Gabriel estava oficialmente banido da turma, sem direito a readmissão.
Vitor estava passando por um momento difícil, onde chorão era o nome mais leve pelo qual as pessoas o chamavam pelos corredores da escola.
Ao saber do banimento e sentir seus antigos amigos virando as costas, Gabriel parou de tirar sarro de Vitor, pedindo para reconsiderarmos, que não era bem assim.
Falou que não faria de novo e chegou a dar até uma cartada final, dizendo que emprestaria seu Super Nintendo para cada um de nós, deixaria uma semana na casa de cada um.
Mesmo diante de uma oferta dessas, estávamos irredutíveis.
De tanto Gabriel encher o saco pedindo para que reconsiderássemos, aquele que chamaremos de Cleiton, disse que teve uma ideia, que ele tinha um plano.
O plano de Cleiton era aceitarmos Gabriel de volta na turma, mas sob a condição de que ele teria de fazer o ritual da loira do banheiro, desta vez sozinho e permanecendo lá dentro do por pelo menos cinco minutos.
Afinal, depois de analisar mais friamente o que havia ocorrido no outro dia, Cleiton observou que Gabriel terminou o ritual quando estava fora do banheiro e isto poderia ter invalidado tudo, algo que explicaria a não aparição da loira do banheiro.
O detalhe que Gabriel não saberia é que um de nós ficaria escondido dentro de uma das divisórias, e quando o ritual fosse concluído alguém seguraria a porta do banheiro pelo lado de fora assim como ele fez com Vitor.
Além disso, quem de nós estivesse dentro da divisória começaria a atuação fazendo barulhos, chamando o nome de Gabriel e dando risadas macabras.
Mas se todo mundo tinha medo de ficar dentro do banheiro após o ritual, quem se candidataria a ficar escondido dentro de uma das divisórias, ainda mais perto da loira do banheiro?
Cleiton também já havia previsto isso com sua mente planejadora. A ideia seria que assim que Gabriel falasse o primeiro palavrão, bastaria dar um soco forte na divisória do sanitário.
Ele provavelmente se assustaria, nem terminaria o ritual e ficaríamos todos em segurança.
Parecia arriscado, mas Gabriel precisava de uma lição. Ele havia atingido um dos nossos e consequentemente a todos nós. Por isso topamos o desafio, venceríamos todos os medos, era algo que precisaria ser feito.
Convocamos Gabriel para uma reunião onde contamos sobre a condição de sua readmissão. Ele ficou muito satisfeito, chegando a dizer que isso seria moleza, que se fosse só isso deveríamos ter falado antes.
Se antes eu não era a favor do ritual, confesso que desta vez eu não estava exatamente contra. Gabriel havia feito algo que não se faz com ninguém, muito menos com um amigo.
Aposto que até mesmo a loira do banheiro estaria do nosso lado desta vez.
A Lição
No dia seguinte, mais precisamente uma sexta-feira, a aula demorava a passar.
Estávamos todos lá, trocando olhares de encorajamento como uma verdadeira equipe.
Ao toque do sinal do intervalo, Cleiton surpreendeu a todos.
Demonstrando que estava realmente indignado com o que havia acontecido e que confiava em seu plano, disse que seria ele o voluntário a ficar escondido dentro do banheiro.
Desta forma, com o plano todo revisado, nos posicionamos e um de nós foi chamar Gabriel para o desafio, o momento decisivo.
Importante dizer que Vitor não estava entre nós, ele não quis participar disso. Naturalmente respeitamos sua decisão, ele já havia tido o suficiente.
Os fatos que narro a seguir são uma combinação do que nós vimos e ouvimos do lado de fora do banheiro e do que Cleiton, escondido dentro da divisória, nos contou em detalhes após o ocorrido.
Gabriel entrou no banheiro e toda aquela pose de coragem parece ter sido abalada por alguns instantes. Ele respirou profundamente e então começou o temido ritual.
Quando ele já estava na última parte, deu três chutes na porta e quando chegou perto da saída falou o primeiro palavrão.
Não sei dizer se Cleiton virou ator profissional depois que se formou e virou adulto porque perdemos o contato com o tempo, mas é certo dizer que naquele momento ele começou a melhor atuação de sua vida.
Em um ato de sincronia, nesta fração de segundos fechamos a porta e trancando Gabriel para dentro, sem que ele tivesse tempo de reação.
Cleiton deu um soco na divisória, chamando o nome de Gabriel com uma voz tão macabra que se não soubéssemos que era ele, teríamos todos corrido para longe.
Cleiton falou, ainda fazendo a voz macabra: “Você não me deixa descansar, Gabriel”.
Porém o mais assustador é que a cada palavra que ele falava também dava um soco na divisória e ia engrossando a voz, falando de uma forma cada vez mais monstruosa.
Ao contrário do que esperávamos, Gabriel não bateu na porta para tentar sair, como Vitor havia feito quando ele o trancou lá dentro.
Ao invés disso, após a atuação de Cleiton, imediatamente ocorreu um silêncio total.
Será que a loira do banheiro de verdade tinha levado Gabriel? Será que ela havia possuído Cleiton?
Em uma fração de minuto que pareceu uma eternidade, abrimos a porta. Cleiton também estava apreensivo e quando entramos ele tomou coragem de sair da divisória, o que fez com que todos nos deparássemos com a cena ao mesmo tempo. Foi realmente uma cena que jamais esqueceremos.
Gabriel estava sentado no chão, encostado na parede, com uma cara de total pavor, praticamente em estado de choque.
Num primeiro momento ficamos surpresos com a coragem dele, apesar do choque nem sequer havia chorado.
Mas após alguns momentos, quando os últimos traços de pavor se apagaram de seu rosto e ele voltou de seu estado letárgico, observamos que Gabriel havia simplesmente mijado nas calças.
Uma grande e redonda poça de mijo rodeava o local onde ele estava sentado, encharcando também suas roupas.
Todos estávamos assimilando o ocorrido e o que pensamos que seria um momento engraçado, para rir de Gabriel, se transformou em um momento sério e tenso.
De um lado a nossa turma, com a seriedade de quem acabara de vencer um medo para cumprir algum tipo de “missão”. Do outro lado estava Gabriel, sentindo sua reputação de corajoso ir embora para sempre, com suas calças molhadas de mijo simbolizando este momento.
Após um tempo, Gabriel se levantou e saiu. Naquele dia ele pediu dispensa e foi embora para casa mais cedo.
Tudo Resolvido
Passamos o fim de semana todo pensando no ocorrido, na sequência de eventos. E na segunda-feira estávamos todos de volta, inclusive Gabriel.
Surpreendentemente, desde este episódio ele se tornou outra pessoa. Não tirava mais sarro de ninguém, demonstrava mais gentileza.
E por um bom tempo foi zoado pelos corredores da escola. Nossa turma não contou nada sobre o acontecido, mas inevitavelmente ele foi visto indo embora para casa com a roupa mijada.
O pessoal mais velho, das séries acima da nossa, apelidaram ele de “mijo”. O apelido durou quase até a formatura.
Este mesmo pessoal acabou esquecendo o apelido de “chorão” dado a Vitor, afinal mijar nas calças rendia mais do que um choro de medo.
As lições haviam sido aprendidas, tudo estava resolvido e Gabriel estava de volta à nossa turma.
Ele segurou bem as pontas e mesmo quando precisou pedir para ir embora mais cedo não contou o que realmente havia acontecido, simplesmente disse à diretora que “escapou” e não conseguiu chegar na privada a tempo.
A febre da loira do banheiro não durou muito mais tempo, assim que ficou conhecida pela direção da escola, tornou-se algo passível de suspensão ou expulsão.
Claro que as histórias continuaram por um bom tempo, ainda que ninguém mais testasse o ritual.
Algum tempo depois, Gabriel nos contou que naquele mesmo fim de semana, ouviu por duas vezes a descarga do banheiro de sua casa sendo acionada sozinha.
Nunca soubemos se foi uma invenção dele, ou se a loira do banheiro havia feito uma exceção e o seguido até sua casa.
Conclusão
Esta história pode parecer absurda nos dias de hoje, mas quem viveu nos anos nos anos 90 ou antes, sabe muito bem que era algo comum.
Por muitas vezes as próprias crianças tinham de se virar e dar um jeito, o filho chorava e a mãe não via. E se chorasse para alguém, muitas vezes seria ainda mais zoado.
Talvez não seja algo de que devamos nos orgulhar, mas era um jeito de lidar com as coisas. Ainda que controversos, eventos como este frequentemente nos ensinaram lições como as que foram narradas, sobre respeito e companheirismo.
Mas uma das principais lições que este episódio nos ensinou, foi que muitas vezes o valentão é na verdade mais medroso do que aqueles a quem ele aponta como medrosos.
Parece ser uma tentativa de criar um medo maior em outra pessoa, grande o suficiente para que este valentão possa esconder o seu próprio medo.
Naquela época não havia Halloween por aqui, mas se houvesse, com certeza esta seria uma de nossas histórias favoritas.
Porque embora cercada de inocência e infantilidade, o medo de todos os eventos foi totalmente real.
A paixão por videogames surgiu à primeira vista, em algum lugar entre as gerações 8 e 16 bits
Falar sobre games sempre foi uma parte da diversão, eu e meus amigos passávamos muito tempo jogando e conversando sobre nossos jogos, na antiga locadora do Bigode, em casa e na escola.
Mesmo num mundo cada vez mais digital, encontrar pessoas apaixonadas por videogames e falar sobre nossos jogos continua sendo importante.
Decidi então fundar a iniciativa Bigode Games, um lugar onde falamos sobre o melhor que os videogames podem nos proporcionar.