O peso e a tristeza de Into The Breach

Um belo texto sobre as sensações mais incríveis que os jogos podem nos despertar.

Por Greg Vendramini


O Peso e a Tristeza De Into The Breach

Os jogadores de jogos de estratégia somos pessoas estranhas que gostamos de sofrer.

Não há quase lançamentos do gênero, e nada garante que os poucos que existem sejam bons.

Se olhamos para trás, para os clássicos, vemos que já foi falado e jogado tanto sobre Starcraft ou Age of Empires, que dá a sensação de que já está tudo feito e dito, e que o jogo já “acabou” antes de que nós comecemos a jogar.

Estamos ali, pegando as migalhas que de vez em nunca alguma empresa nos dá. Um remake do Advance Wars por aqui, um Port de Fire Emblem por lá… E no fundo a esperança de que chegue uma época farta, com lançamentos toda semana.

Se os jogos de plataforma tiveram nos anos 80, os jogos de tiro nos anos 2000, e os jogos de mundo aberto nos 2010, algum dia vai chegar a nossa vez também. “Cês vão ver, a nossa hora vai chegar!” -sussurramos desde um canto escuro, jogando Command & Conquer no laptop.

E às vezes a sorte nos sorri, e empresas como a Subset Games lançam pérolas como o Into The Breach, de 2018.

O jogo foi um sucesso de vendas e crítica, e ganhou uma pá de prêmios, incluindo os BAFTA. Se você não confia muito na minha opinião, lembre que ele foi indicado ao melhor jogo independente de 2018 nos Game Awards, e que só perdeu para ninguém menos do que o Celeste.

Calcule aí se é bom.

Into The Breach é um jogo de estratégia por turnos, com uma mecânica muito curiosa.

Cada turno, depois de que os inimigos façam sua jogada no tabuleiro, você verá indicadores que avisam o que eles vão fazer no próximo, e decide assim como proceder.

Se você está pensando que isso o torna fácil demais, não celebre tão rápido.

O jogo se passa em um mundo que foi invadido por terríveis insetos gigantes, os Vek.

Claramente inspirados nos kaiju do cinema japonês, os Vek destruíram toda a população humana até que sobraram pouquíssimos lugares seguros na Terra, e logo logo, nem isso existirá mais.

Screenshot do jogo Into the Breach

Controlamos então um esquadrão de 3 robôs gigantes com seus respectivos pilotos, que viajam ao passado com o fim de salvar alguma linha temporal desse destino terrível, e é aqui que acabam as boas notícias.

Cada vez que você perde, o jogo te deixa escolher um robô e seu piloto, e mandá-lo para outra linha temporal, sacrificando aquela na qual você estava e condenando-a a ser exterminada pelos insetos, mas conservando suas lembranças e habilidades.

Vemos o nosso robô subir aos céus, enquanto mais e mais gafanhotos, moscas e demais monstros aparecem de todos os lados, e a população das cidades fala frases como “Onde eles foram, mãe?”

É um simples reset em um tabuleiro pixelado, mas é executado de uma forma magistral pela Subset Games.

Cada decisão que tomamos é pesada, com consequências graves e imediatas. Uma batalha de 4 turnos é enorme, e se você consegue chegar no final vivo, já está no lucro.

São missões curtas mas asfixiantes, que te ensinam rapidamente que, se você errar, vai dar muito errado, muito rápido.

E longe de parecer frustrante, o rápido fluxo de jogo e os cruéis resets temporais te botam de volta em outra linha temporal em alguns segundos.

Longe de ficar triste porque perdeu, você pensa “Eu não pego essa missão de proteger o trem nunca mais, eu hein”.

O diálogo, embora curto e reservado a pequenas frases dos civis e dos pilotos, reflete muito bem a natureza cruel do jogo.

Por um lado os pilotos, que já não criam carinho por nenhuma linha temporal e até brincam com o fato de estar um pouco “perdidos no tempo”, aos civis, que com algumas frases curtas, transmitem a ideia clara de que você e seus robôs gigantes são a única coisa que separa o condomínio deles daquele escorpião gigante.

Isso, e o constante aprendizado de “vai dar ruim”, fazem o efeito contrário no jogador.

Você não pensa como um niilista que está pouco se lixando para o que acontecer com aqueles habitantes.

Qualquer missão secundária boba que você recebe é uma briga que é comprada e levada até às últimas consequências.

Os caras me pediram que eu defenda o último bar que existe na cidade? Amigo, você pode ter certeza de que lesma nenhuma vai chegar perto desse bar, nem que eu tenha que explodir até a última hectárea dessas montanhas aqui do lado.

E cara, se tem uma coisa que é boa nessa vida, é brigar com monstros gigantes.

E cara, se tem uma coisa que é boa nessa vida, é brigar com monstros gigantes.

A ambientação é tão boa, que ela até passa por cima do elemento primordial do jogo, que é a jogabilidade.

Cada robô com suas armas, cada piloto com suas habilidades, e as centenas de armas e acessórios que podemos equipar em cada um, fazem de cada campanha praticamente única.

E é por essa ambientação que nos dói tanto quando um piloto morre.

Mesmo podendo usar o robô novamente na próxima missão -controlado por um piloto androide genérico sem habilidades-, ver a pequena telinha com a foto de perfil do piloto piscar em vermelho e se apagar durante seus últimos momentos é dar adeus à um amigo, que talvez você volte a encontrar em outra linha temporal.

Into The Breach brilha também no fator rejogabilidade. É gostoso testar cada esquadrão, cada piloto, e logo logo teremos os nossos favoritos entre o grande elenco que estará nas nossas mãos.

Essa variedade colabora ainda mais com a ambientação, já que com algumas escolhas aqui e ali, cada esquadrão será “nosso”, e é muito difícil que algum amigo tenha pilotado a mesma missão.

Para mim, usar o mecha dos chicotes elétricos era a opção mais lógica mesmo que eles também danifiquem suas unidades e os prédios civis, mas meus amigos achavam isso uma loucura e votaram por robôs que eu não escolheria nem no meu pior dia.

Apresente o jogo para algum dos seus amigos, e divirta-se vendo como ele usa aquelas ferramentas que tem à sua disposição para criar uma experiência completamente diferente da sua, mas que ainda assim ajudará os habitantes das ilhas.

Poderíamos estar aqui horas e horas conversando sobre como a jogatina de Into The Breach é gostosa.

Simples mas executada de uma forma tão fluida e bem feita, que é admirável.

Nunca quis fazer uma coisa e não pude. Nunca eu perdi pensando que era culpa do jogo.

E rara vez eu sequer lembrava que estava dentro de um jogo.

Aqueles 10 minutos tensos, aqueles 10 minutos de cada missão em que um soco errado pode empurrar o mosquito gigante na rede elétrica e arruinar a cidade inteira, eu estava lá.

Aquelas vezes que no último turno eu tive que mandar um piloto afastar os ovos de aranha do prédio mesmo sabendo que não daria tempo dele voltar com vida, eu estava lá.

Com poucos pixels e poucas linhas de diálogo, mas com muitas lembranças e emoções, eu estava lá.


Créditos:

Texto e revisão por Greg Vendramini

Siga o Greg no Twitter: @Greg_Vendramini

Um agradecimento especial do Bigode ao Greg, por compartilhar este ótimo texto aqui na Bigode Games. É uma verdadeira honra!


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