Olá pessoal!
O causo de hoje também vem diretamente da época dos fliperamas e envolve uma “trollagem” (de uma época em que este termo nem existia) e uma grande coincidência!
Contaremos hoje um ocorrido envolvendo Street Fighter 2, que assim como Mortal Kombat, também era atração especial nos salões de fliperamas, reunindo multidões de pessoas olhando, cornetando e esperando por sua vez de jogar.
Por este mesmo motivo e também como Mortal Kombat, Street Fighter 2 tornava-se um grande gerador de lendas e histórias duvidosas.
Street Fighter 2 – Cascateiro Edition
Street Fighter 2 inclusive tem uma famosa história onde a EGM, uma revista de games muito grande na época, lançou uma brincadeira de primeiro de Abril que perturbou muitas pessoas pelo mundo afora.
Nesta brincadeira eles disseram que após cumprir alguns requisitos extremamente difíceis (isto é praticamente um padrão para as mentiras da época), poderíamos enfrentar Sheng Long, o mestre de Ryu e Ken.
A brincadeira foi realmente sofisticada, onde dedicaram uma página da revista e incluíram montagens muito bem feitas mostrando Sheng Long em ação. Algo impressionante, considerando que na época editar imagens era uma tarefa muito mais complicada, o que dava ainda mais credibilidade para a mentira.
Lá fora o pessoal se acabou tentando realizar este feito e até mesmo aqui no Brasil me lembro que esta mentira chegou tempos depois, com a diferença que por ser uma revista de outro país, era ainda mais difícil confirmar que foi uma brincadeira. Levamos um bom tempo para confirmar e até hoje essa história é ranqueada entre as mentiras melhor sucedidas de todos os tempos.
Em resumo, Street Fighter 2 gerava tantas mentiras que chegou até a ter mentira de grife.
O caso foi tão grande e lendário que muito tempo depois, em Street Fighter 4, a própria CAPCOM lançou de verdade o Sheng Long como personagem jogável, onde precisaríamos também cumprir uma série de requisitos (muito menos difíceis que os da mentira original) e então destravaríamos o mesmo para seleção.
Bigode Games Edition
O Bigode demorou um tempo para poder trazer um fliperama de Street Fighter 2, mas ainda assim conseguiu a tempo de pegar o começo da febre causada pelo jogo.
Imagine você, em uma cidade pequena aquele conjunto de máquinas com pessoas ao redor parecia um Cassino de Las Vegas.
Uma das figuras recorrentes neste fliperama era um cara que chamaremos pelo nome fictício de Marlon.
Marlon era o famoso marmanjo de fliperamas, um cara que era muito bom nos jogos, além de ter idade para trabalhar e deixar o salário no caixa do Bigode, comprando fichas e mais fichas. Não era o único, mas era um dos mais presentes.
Também era conhecido popularmente como “papa fichas” porque além de comprar muitas fichas, ainda fazia aqueles que ousavam lhe desafiar perderem suas próprias fichas em instantes.
Outro dos frequentadores era um garoto que chamaremos de Saulo.
Pouco conhecia Saulo, mas parecia ser um cara legal, era de uma idade parecida com a nossa e também precisava conferir se Marlon não estaria lá na locadora para só então poder jogar em paz, como uma pessoa comum, diminuindo as chances de perder a ficha já na primeira luta.
Acontece que certo dia, mais precisamente em um sábado de manhã, um dos momentos de mais movimento na Bigode Games, Saulo jogou uma informação que surpreendeu a todos ali presentes.
Como vocês devem conhecer, uma das coisas mais legais em Street Fighter 2 eram os cenários de bônus, onde após vencermos algumas lutas éramos desafiados a quebrar coisas para aumentar a nossa pontuação, na busca por entrar nos rankings da máquina.
Todos eram icônicos, mas o favorito da galera sempre foi o cenário onde deveríamos quebrar um carro inteiro dentro de um limite de tempo.
É um cenário realmente bem legal. Temos um belo carro estacionado próximo ao mar, onde o navio ao fundo indica ser uma extensão do cenário do Ken. Na época nem tudo precisava ser tão bem explicado e não ficávamos nos perguntando como nosso lutador algumas vezes saía do cenário do Ken, pegava um avião para ir lutar na União Soviética, pegava um avião de volta para o cenário do Ken só para quebrar um carro estacionado e depois pegava outro avião para ir lutar em outro país.
Este cenário foi praticamente importado de Final Fight, outro clássico da CAPCOM lançado algum tempo antes.
No fim das contas só queríamos saber de diversão e quebrar um carro de luxo na pancada era algo que além de parecer totalmente possível para aqueles mestres da luta, nos deixava muito empolgados.
Enfim, de acordo com Saulo, um amigo de uma cidade vizinha descobriu que se chegássemos bem rápido neste estágio, seria possível ver o dono parando o carro, saindo dele e indo embora a pé, sem nem imaginar que seu carro seria reduzido a ferro velho.
Lembrando que em Final Fight, quando terminávamos este cenário e o carro estava detonado, aparecia um cara chorando ao ver a destruição de seu carro. Era um dos caras da gangue de vilões do jogo. Mas por lá ele aparecia somente no final.
Em outras palavras, era algo muito parecido e se o estágio foi praticamente importado de Final Fight, por que não teria alguma cena extra também em Street Fighter 2? Este foi mais ou menos o raciocínio da galera na ocasião.
Foi apurado pelo pessoal daquela cidade que para ter acesso a este momento, seria necessário (olha o padrão da mentira aí de novo) vencer em 30 ou menos segundos todos os rounds que antecedem este estágio.
Nem preciso dizer que foi iniciada uma correria generalizada para ver quem seria o primeiro a atingir tal feito e ganhar a fama eterna, com a molecada se organizando e até mesmo cronometrando as partidas.
Acontece que embora hoje pareça mais fácil, para a garotada era bem difícil naquela época. Mesmo porque para jogar totalmente na ofensiva contra a máquina, valendo uma preciosa ficha, era pedir para perder.
Se havia alguém que estava rindo à toa com isso era o Bigode, que sem entender muito bem o que aquela molecada doida estava fazendo, via as vendas de fichas de fliperamas irem as alturas.
A garotada tentou e tentou, alguns chegavam bem perto. Mas muitas fichas foram perdidas e muitos guerreiros foram abatidos.
Havia também o quesito corrida contra o tempo, onde o pessoal já começava a ficar impaciente e ao invés de desejar ganhar a fama, já começava a querer simplesmente ver aquela cena finalmente acontecendo ali na tela.
Foi então que a garotada chegou a uma conclusão praticamente unânime. Somente uma pessoa poderia fazer isso: o temido Marlon.
Em Busca da Verdade
Um representante da garotada, quando Marlon estava lá, contou a ele sobre o boato e o novo desafio que rondava o fliperama de Street Fighter 2.
Acredito que havia um medo de que Marlon pensasse que aquela garotada estava inventando coisas (jamais fariam isso!), talvez por isso o receio em contar e ter a chance de receber uma reação agressiva.
Mas vendo a movimentação da molecada em torno do jogo, ficava claro que mesmo se fosse mentira, todos estavam genuinamente acreditando nisso.
Precisando de novos desafios, Marlon aceitou a missão e teve momentos de pura glória, onde a garotada que antes fugia dele agora estava praticamente formando uma arquibancada, torcendo por ele. Só faltou espalhar cartazes do evento pelo bairro e o Bigode cobrar entrada na locadora.
De acordo com presentes no momento, não levaram mais do que três tentativas para que Marlon conseguisse realizar o feito e após ter sucesso na missão, adivinhe só, nada de diferente aconteceu no cenário. Quem poderia imaginar, não é mesmo?
Foi um momento de silêncio e decepção generalizada. A garotada ficou incrédula e só não foi um momento de silêncio completo no ambiente porque as máquinas ficavam com aquele som alto. Marlon também parecia não estar abalado, continuou jogando como sempre, afinal o jogo não tinha conhecimento do que estava acontecendo e continuou rodando.
Em um sentimento de revolta, a garotada praticamente pegou em foices e facões e foi até a casa de Saulo para cobrar a história. Saulo deu algum jeito e pareceu igualmente indignado, falando que cobraria este sujeito da cidade vizinha e ele mesmo quebraria sua cara pessoalmente se fosse necessário.
Tempos depois, quando a poeira baixou, Saulo confirmou na maior cara de pau e até em tom de indignação, que o cara era um grande mentiroso e somente queria parecer legal!
Marlon, por outro lado, falou que já tinha quase certeza que nada aconteceria desde o começo, até porque em suas partidas já deveria até ter atingido este feito antes. Mas aceitou a missão mesmo assim porque foi legal participar disso tudo para ajudar a molecada. Ele sim teve seu merecido momento de glória, demonstrando ser um cara bem legal no final das contas.
Caso Desvendado e Encerrado
Muito tempo depois, Saulo confidenciou a alguém (e logicamente este alguém espalhou por todos os cantos), que na verdade ele mesmo havia inventado aquilo, só de sacanagem. Talvez em um impulso vingativo depois de apanhar tanto em Street Fighter 2.
Mas quando viu a proporção que tudo tomou ficou mais satisfeito ainda, porque achou que ia ferrar com a vida de Marlon, fazendo-o gastar muitas fichas e jogando na lama sua reputação de máquina de destruição. Muita gente não gostava do Marlon até então, mas ainda assim pareceu malvadeza de Saulo.
No fim a mentira saiu pela culatra e Marlon virou a mesa, tornando-se uma lenda dos fliperamas locais e entre a molecada. Temos outras histórias de Marlon, que era um cara realmente bem legal e passou a fazer parte da turma até todo mundo crescer, as locadoras fecharem e a própria turma se dissipar. Mas isso fica para uma próxima ocasião.
Sabe outra coisa realmente incrível e esta sim por pura coincidência?!
Quase como a mentira de grife que mencionamos no começo do relato e também no mesmo Street Fighter 4, desta vez a mentira passou bem perto de se tornar verdade: a CAPCOM voltou com este estágio de bônus do carro estacionado e coincidentemente este caso ficou ainda mais claro de uma vez por todas.
Isto porque desta vez fizeram uma homenagem bem detalhada a Final Fight, onde o carrão modernizado fica estacionado em um tipo de posto de gasolina todo depredado, como no antigo clássico. Com a diferença de que um sujeito fica ao fundo fotografando o quebra-quebra, todo admirado.
Mas se fizermos este estágio com um dos personagens de Final Fight que estão controláveis em Street Fighter (Guy, Cody, Rolento, Poison, Hugo), assim como em Final Fight aparece Bred no final, chorando desesperado ao encontrar o carro arrebentado.
Sim, em Street Fighter 3 a tradição de quebrar carros foi mantida, mas não fomos agraciados com uma máquina deste jogo na época e a homenagem a Final Fight veio somente em Street Fighter 4 mesmo.
Com toda a criatividade de Saulo, tendo seu rancor como força motriz, certamente apelar para a mescla de ideias de Street Fighter 2 e Final Fight foi a maneira mais prática que encontrou de criar uma mentira plausível.
Outra coisa legal a comentar é que não presenciei os fatos do começo ao fim porque não passava tanto tempo assim lá no fliperama.
Mas conhecia Saulo e a garotada aqui do bairro e foi bem legal na época fazer o trabalho jornalístico (alguns dirão que é apenas apuração de fofocas) de reunir as peças para lembrar da história completa. De tempos em tempos alguém reunia algum fragmento da história até que ficasse claro o que aconteceu, por todas as perspectivas.
Talvez você se pergunte se toda esta comoção foi pelo puro desejo de ver o dono do carro do estágio bônus se ferrar? E eu te asseguro que não.
Jogos como Street Fighter foram tão lendários e qualquer pedaço de informação nova sobre eles era tão desejado pelos fãs que qualquer novo detalhe era o suficiente para desencadear uma expedição como estas ou uma caça por informações nas revistas. Ainda mais neste caso em que se fosse verdade teríamos uma cena completamente inédita acontecendo em tela.
Este era um grande barato da época das locadoras, algo de que muitos sentem saudades. Havia um verdadeiro ecossistema naquele ambiente e este tipo de situação acontecia constantemente, criando verdadeiras aventuras e em casos como este que foi relatado até ajudando a moldar o caráter das pessoas, em uma época onde tudo parecia ser mais simples.
Então é isso pessoal!
O relato é longo, mas esta é a intenção desta seção, normalmente serão “causos” longos deste jeito.
Abraços e até a próxima!
Nota do Autor:
Este relato foi contado por Tio Pépe e escrito por Capitão Barry.
O relato foi baseado em fatos reais mas a identidade de todas as pessoas envolvidas foi preservada.
Nenhum animal foi ferido no processo.
A paixão por videogames surgiu à primeira vista, em algum lugar entre as gerações 8 e 16 bits
Falar sobre games sempre foi uma parte da diversão, eu e meus amigos passávamos muito tempo jogando e conversando sobre nossos jogos, na antiga locadora do Bigode, em casa e na escola.
Mesmo num mundo cada vez mais digital, encontrar pessoas apaixonadas por videogames e falar sobre nossos jogos continua sendo importante.
Decidi então fundar a iniciativa Bigode Games, um lugar onde falamos sobre o melhor que os videogames podem nos proporcionar.
