Recentemente fiz um exercício, para fixar algumas técnicas de escrita.
O tema que escolhi tem a ver com videogames, por isso decidi compartilhar o resultado aqui com você, estimado leitor.
Você já parou para pensar sobre qual a verdadeira motivação daqueles inimigos mais fracos, que aparecem seguidas vezes no começo dos jogos?
O que leva aqueles infelizes a continuarem aparecendo, mesmo após terem apanhado tanto?
Foi pensando nisso que escrevi o texto a seguir.
No meu caso escolhi o Garcia, numa referência ao Galsia de Streets of Rage.
Provavelmente o nome original fosse mesmo Garcia, mas em algum momento deve ter pendido pro idioma Japonês e acabou virando Galsia.
Entretanto, este é o texto que utilizaria para desenvolver qualquer personagem equivalente, de qualquer outro jogo.
Codenome: Garcia
A sensação de estar deitado numa pedra lhe parecia familiar.
Por isso percebeu rapidamente que a rua não era sua cama.
Ele abre os olhos lentamente, recobrando a consciência, tendo a atenção imediatamente atraída por um letreiro neon.
O gosto ferroso do sangue em sua boca se mistura ao da água suja do asfalto, onde metade de seu rosto repousava.
A língua começa a se movimentar em sua boca fechada, num movimento instintivo, com a única intenção de conferir se não há nenhum dente faltando.
Uma cena lamentável.
O mais comum é que as pessoas pensem que ele viveu na pobreza, por isso partiu para a criminalidade e acabou indo parar ali.
Mas na verdade foi quase o oposto disso.
Ele sempre foi um garoto comum.
Tinha alguns amigos, ainda que não fosse o mais querido ou popular da turma.
Seus pais eram empresários e trabalhavam bastante, mas não eram ausentes, nem malvados.
A vida acontecia sem dificuldades, e até mesmo sem grandes surpresas ou emoções.
Oportunidades? Teve todas!
Mas quando soube que o crime estava se organizando para tomar conta da cidade, simplesmente sentiu desejo de se alistar.
Não considerou que aquela iniciativa poderia destruir sua casa, a empresa de seus pais ou mesmo sua própria vida.
Tampouco pensou em mulheres, bebedeira ou na sensação de pertencimento.
Muito menos teve a ambição de escalar até o topo da organização.
E ali estava ele, finalmente se levantando.
Imediatamente percebeu uma briga que ainda acontecia a poucos metros de onde estava, a mesma que havia passado por ele, deixando-o no chão.
Uma cotovelada no queixo, uma joelhada nas costelas e uma rasteira.
Esta foi a combinação de golpes que o fez desmaiar, ou pelo menos os golpes que ele ainda se lembrava de ter levado.
Sem pensar duas vezes, partiu de novo para o meio da briga, como era de costume.
E foi como se um bêbado tivesse entrado no ringue do UFC.
Sem qualquer capacidade de desviar, sentiu um punho que veio de encontro com seu nariz.
Logo em seguida levou um golpe na nuca, uma joelhada no peito e lá estava ele no chão outra vez.
Existe algo muito relaxante sobre deitar no chão.
Talvez seja pela mudança de perspectiva.
Era interessante observar a chuva caindo ali de onde ele estava, como se ele fizesse parte do chão.
Claro que é algo bem menos relaxante quando você tem algumas costelas quebradas.
Ele nunca treinou artes marciais, nem sabe lutar.
Mal sabe balançar um canivete, para lá e para cá.
No máximo havia levado três socos na cara na época de escola, revidando com um cruzado, que apenas passou raspando no nariz do adversário.
Sua sorte, ou azar, era que não havia nenhum tipo de teste para entrar no sindicato do crime.
Interessante também é perceber como ele nunca teve nada contra os mocinhos, nunca foi algo pessoal.
Ao mesmo tempo, nunca admirou as pessoas malvadas, que cometem atrocidades.
E mesmo pendendo mais para o lado do bem, ele terminou com um soldado do mal.
Garcia era seu nome de combate, que na verdade tratava-se de um nome genérico, dado a todos os soldados iniciantes.
Sem dúvidas ele seria um ótimo objeto de estudo para os psicólogos.
Ficariam debatendo por dias, somente para tentar entender o que motiva este infeliz.
O mais provável é que não chegariam a nenhuma conclusão.
Porque nem ele mesmo sabe explicar o que sente, jamais parou para tentar entender alguma coisa.
Talvez todos os impulsos que o trouxeram até aqui tenham surgido simplesmente da vontade de sentir algo forte e verdadeiro.
E nada mais forte e verdadeiro que um soco na cara.
Algumas pessoas nascem com o talento de jogar futebol, outras de fazer música.
Quem sabe ele não havia nascido com o talento de apanhar?
De repente ele escuta uma sequência de golpes acontecendo no seu lado direito, que termina com um estrondo.
Virando levemente a cabeça, vê um companheiro de crime caído a poucos metros.
O outro infeliz havia caído em cima do próprio ombro, o que deveria explicar aquele som de fratura que veio no final.
Garcia começou a rir, sentindo-se feliz.
E de repente ele não era alguém totalmente vazio.
O vazio ainda era enorme, a sensação era pequena demais para preenchê-lo.
Como se uma formiga tivesse entrado num saguão desocupado.
Mas era alguma coisa.
O que convenhamos, para alguém vazio já é muito.
Ele parou um pouco de rir, somente para tomar fôlego e tentar se levantar.
Mas não conseguiu.
Concluiu que havia apanhado o máximo que podia.
Então simplesmente deitou e continuou gargalhando, tendo os gritos de dor de seu companheiro como música de fundo.
Permaneceu assim, até pegar no sono.
Seu corpo precisava se recuperar, para voltar amanhã.
E levar outra surra.
Conclusão
Então é isso.
Espero que a leitura tenha te entretido de alguma maneira.
Não é nada particularmente trabalhado, nem me preocupei muito com a revisão.
É apenas um texto em estado bruto, meio artístico.
Talvez eu traga outros textos parecidos no futuro.
Um abraço e até a próxima!
A paixão por videogames surgiu à primeira vista, em algum lugar entre as gerações 8 e 16 bits
Falar sobre games sempre foi uma parte da diversão, eu e meus amigos passávamos muito tempo jogando e conversando sobre nossos jogos, na antiga locadora do Bigode, em casa e na escola.
Mesmo num mundo cada vez mais digital, encontrar pessoas apaixonadas por videogames e falar sobre nossos jogos continua sendo importante.
Decidi então fundar a iniciativa Bigode Games, um lugar onde falamos sobre o melhor que os videogames podem nos proporcionar.
Grande Garcia hahaha já dei muita porrada nele, no hard já tomei uns soquinhos haha, amei o texto, me prendeu, parabéns ficou muito bom!
Muito obrigado pelo comentário, Pri!
Fico feliz que tenha gostado e que o texto tenha funcionado.
Um dia desses voltarei com o Garcia para novas aventuras.
Curioso exercício de escrita, Barry, gostei bastante. Pouco a pouco vamos citando mais e mais o Streets Of Rage aqui, hehe.
Existe uma certa personalidade nos inimigos do SoR, desde o primeiro. Alguns ficam na retaguarda, outros partem para cima sozinhos, etc. O Galsia, por exemplo, tem a tendência de usar facas, desde o primeiro até o último jogo, o 4. Legal que você mencionou o canivete dele.
Principalmente, você me fez pensar que tal vez o sindicato não fosse um grupo tão grande assim, como soldados quase infinitos: As vezes, o Galsia que leva uma surra na fase 3 pode ser o mesmo que apanhou na fase 1, ou até mesmo em outro momento anterior da mesma fase. Interessante proposta!
Como sempre, bom texto, Barry. Parabenizo principalmente por você arriscar um formato novo, uma ideia diferente do formato padrão de review ou artigo.
Muito obrigado pelo comentário, Greg!
Gosto de imaginar o que tinha por trás das histórias dos jogos clássicos, quando não havia espaço e CGs para contar histórias mais profundas.
Também estou sempre exercitando a escrita, e decidi unir as duas coisas pra criar algo meio maluco.
Exercitar o lado roteirista.
Como o resultado teve a ver com games, decidi compartilhar.
Provavelmente farei isso mais vezes no futuro.
Fico feliz que tenha gostado!
Um abraço.